O tráfico negreiro começou a ser direcionado para o Brasil a partir da década de 1540 e trouxe milhões de escravos para atender à demanda por trabalhadores na colonização.
O tráfico negreiro é como chamamos a prática de tráfico de escravos da África para o continente europeu e americano, incluindo o Brasil. O tráfico de escravos consistiu, basicamente, na migração forçada de africanos com o intuito de escravizá-los durante a colonização da América. Essa atividade, em nosso país, iniciou-se em meados do século XVI e encerrou-se somente em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós.
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O tráfico negreiro foi responsável por trazer, forçadamente, cerca de 11 milhões de pessoas africanas para a América.
As razões para a implantação da escravidão de africanos aqui foi a escassez de mão de obra indígena aliada aos interesses metropolitanos em desenvolver o comércio ultramarino.
Os portugueses compravam os escravos em suas feitorias instaladas no litoral da África.
Os escravos eram obtidos como prisioneiros de guerra vendidos por determinados reinos ou eram prisioneiros emboscados pelos traficantes.
Enfrentavam uma viagem de mais de 40 dias, em condições degradantes, que fazia com que vários escravos morressem durante a viagem.
Vieram de diferentes regiões da África, como Senegâmbia, Angola, Congo e Moçambique.
Os locais no Brasil que mais receberam escravos foram Rio de Janeiro, Recife e Salvador.
O tráfico negreiro só foi proibido no Brasil em 1850, por meio da Lei Eusébio de Queirós.
Estima-se que o Brasil recebeu de 3,5 milhões a 5 milhões de africanos escravizados. O país foi o que mais recebeu escravos africanos do mundo.
O tráfico negreiro no Brasil está diretamente relacionado com o desenvolvimento da produção açucareira aqui durante o período da colonização. O tráfico de africanos para o Brasil associa-se, em partes, com o escasseamento da população de escravos indígenas no Brasil, sobretudo a partir da década de 1550.
Vale destacar que a mortalidade de indígenas era excessivamente alta, principalmente por conta das doenças trazidas pelos portugueses e para as quais os indígenas não tinham defesa biológica. O historiador Boris Fausto, por exemplo, cita que, somente entre 1562 e 1563, cerca de 60 mil indígenas morreram em decorrência da varíola.|1|
Outra questão importante são os conflitos que existiam entre colonos e jesuítas por conta da escravização dos indígenas. Os colonos instalados na América portuguesa desejavam escravizar livremente os indígenas, enquanto os jesuítas lutavam contra isso instalando os indígenas em suas missões e catequizando-os.
Mas o fator mais relevante, e que nos ajuda a entender a substituição da mão de obra escrava dos índios pela dos africanos, está no funcionamento do sistema econômico da época baseado no mercantilismo. Em outras palavras, o tráfico negreiro era uma atividade extremamente lucrativa para a metrópole, isto é, para Portugal. A venda de escravos indígenas, por sua vez, movimentava a economia exclusiva da colônia, e, assim, a fim atender a essa demanda da metrópole para a abertura de um comércio altamente lucrativo, é que a escravidão africana foi inserida no Brasil.
Importante mencionar que os portugueses já utilizavam a mão de obra escrava dos trabalhadores africanos. Nas ilhas atlânticas, os portugueses haviam instalado o sistema de produção de açúcar com a utilização de trabalhadores africanos. Assim, esse modelo acabou sendo exportado em larga escala para o Brasil, e isso inclui a utilização dos africanos como trabalhadores escravizados.
Concluindo essa parte, o entendimento atual entre os historiadores é de que questões pontuais existentes na colônia, como a escassez de mão de obra de indígena, motivaram os colonos a adotar outra mão de obra, e os grandes comerciantes portugueses, percebendo essa demanda, instauraram o tráfico negreiro, uma vez que esse negócio era muito lucrativo.
A partir de meados do século XV, os portugueses começaram a instalar uma série de feitorias na costa do continente africano. Por meio dessas, eles desenvolveram relações diplomáticas com uma série de reinos africanos, assim como relações comerciais.
Com o desenvolvimento da produção açucareira no Brasil, a demanda dos portugueses por escravos aumentou consideravelmente, e, com isso, na década de 1450, o número de escravos levados por portugueses era de 700 a 800, por ano.|2| A partir da década de 1580, esse número já estava na casa dos três mil escravos transportados pelos portugueses, anualmente.|3|
Os portugueses tinham uma rede de relacionamentos, espalhada pelo interior da África, que se dava por meio da penetração de padres e que garantia alianças com reinos importantes, como foi o caso do Congo. Uma das feitorias mais importantes de Portugal era a que foi instalada em Luanda (Angola).
A obtenção dos escravos começava no interior do continente africano, com os cativos sendo prisioneiros de guerra que eram vendidos ou vítimas de emboscadas realizadas pelos traficantes de escravos. Uma vez capturados, eram levados em uma marcha, a pé, até o porto, do qual seriam encaminhados para a América. Também recebiam uma marca, por meio de ferro quente, como forma de identificação à qual comerciante pertenciam.
Nos portos, ainda na África, eram trocados por alguma mercadoria de valor, como tabaco, cachaça, pólvora, objetos metálicos etc. Por fim, eram embarcados no navio chamado de tumbeiro, que então os transportaria para a América. Alguns escravos podiam ser encaminhados para a Europa, inclusive cidades como Sevilha e Lisboa possuíam uma população expressiva de escravos africanos.
Os escravos eram transportados em navios conhecidos como tumbeiros.
Os navios negreiros levavam de 300 a 500 escravos, e o tempo de viagem, partindo de Angola, era de 35 dias, caso fossem para Pernambuco; de 40 dias, se fossem para a Bahia; e de 50 dias, se fossem para o Rio de Janeiro.|4| No período de viagem, os escravos encontravam condições totalmente desumanas e que eram responsáveis pela morte de uma quantidade expressiva dos embarcados.
Muitos alimentavam-se apenas uma vez por dia e quase não recebiam água potável. Eram aglomerados em porões, com uma quantidade elevada de pessoas, o que tornava, muitas vezes, difícil respirar e facilitava a transmissão de doenças. Uma das doenças que mais atingiam os escravos nos navios negreiros era o escorbuto, causado por uma dieta pobre em vitamina C. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling|5| enumeram outras doenças que eram comuns nos navios negreiros:
Varíola;
Sarampo;
Doenças gastrointestinais etc.
Os relatos existentes a respeito do tráfico negreiro confirmam as péssimas condições a que os escravos eram sujeitos durante o período da viagem (mas não só durante esse período). Existem historiadores que apontam que até metade dos cativos morria durante a trajetória, enquanto outros sugerem que essa taxa era de, em média, 20%.
Além disso, os relatos também sugerem a motivação racista dos portugueses, como o relato, destacado pelo historiador Thomas Skidmore, de Duarte Pacheco|6|, navegador português, que chamava os africanos de “gente com cara de cão, dentes de cão, sátiros, selvagens e canibais”.
Ilustração retratando o cenário de uma venda de escravo no século XIX.
O tráfico negreiro, no Brasil, iniciou-se por volta da década de 1530 e 1540, pelos motivos já explorados neste texto. Esse comércio estendeu-se em nosso país durante mais de três séculos e na década de 1580, por exemplo, já era um negócio bem estabelecido e altamente lucrativo. Depois da independência, o tráfico intensificou-se e o Brasil transformou-se no país que mais recebeu africanos escravizados no mundo.
As estimativas trazidas pelos historiadores têm certas variações, e neste texto trazemos os dados apresentados por quatro historiadores distintos. Boris Fausto|7| afirma que 4 milhões de escravos foram trazidos para o Brasil; Thomas Skidmore|8| afirma que, pelo menos, 3,65 milhões foram trazidos para o Brasil; e as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling|9| apontam que 4,9 milhões de africanos vieram para cá. Ao todo, o continente americano recebeu cerca de 11 de milhões de escravos africanos.
As principais regiões da África das quais vieram os escravos para o Brasil foram:
Senegâmbia: os portugueses chamavam essa região de Guiné, e ela foi a grande fonte de escravos no século XVI.
Angola e Congo: maiores fontes de escravos para os portugueses durante o século XVII.
Costa da Mina e Benin: maiores fornecedores de escravos para os portugueses no século XVIII.
Moçambique também foi um local do qual muitos escravos vieram. Entre os povos que vieram, estava a etnia banto e outros, como balantas, bijagós, jalofos, jejes, nagôs, hauçás etc. Aqui no Brasil, a preferência era por adquirir escravos de diferentes povos porque isso dificultava a articulação dos grupos e diminuía as possibilidades de que fossem organizadas fugas e movimentos de resistência.
Ao fim da viagem, os portos que mais recebiam navios negreiros no Brasil eram os de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Os escravos, por sua vez, eram enviados para diversos locais da colônia, como Fortaleza, Belém e Maranhão, por exemplo. Eles poderiam ser leiloados já na alfândega ou então nos mercados de escravos, que os abrigavam durante a espera de compradores.
O preço dos escravos era bastante elevado, e Boris Fausto sugere que o dono do escravo levava, em média, de treze a dezesseis meses de exploração do trabalho do escravo para recuperar o valor gasto, sendo que, a partir do século XVIII, esse tempo para recuperar o valor gasto saltou para trinta meses.|10|
Cativos aglomerados em um navio negreiro para serem transportados e revendidos na América.
Os traficantes de escravos eram obrigados a pagar impostos na alfândega por todo cativo com mais de três anos de idade, e o anúncio de venda continha informações como sexo, idade e origem. Os escravos poderiam ser obtidos para realizar trabalhos manuais na lavoura, assim como trabalhos domésticos. A partir do século XVIII, com o ciclo da mineração, muitos escravos foram vendidos para trabalhar nas minas e nas cidades que se desenvolveram em Minas Gerais.
O tráfico negreiro no Brasil só foi proibido em 1850, quando o governo imperial decretou a proibição desse negócio por meio da Lei Eusébio de Queirós. O decreto dessa lei estava inserido dentro de um contexto em que a Inglaterra pressionava abertamente o Brasil pela proibição do tráfico negreiro. Para evitar um conflito aberto com os ingleses, que, desde a implantação do Bill Aberdeen, atacavam os navios negreiros, D. Pedro II decretou a abolição do tráfico negreiro.
Essa medida teve efeito prático quase de imediato e fez com que o tráfico de escravos africanos para o Brasil reduzisse drasticamente a partir de 1850. Cinco anos depois, o número de africanos trazidos por meio do tráfico, para o nosso país, era praticamente zero.
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Os escravos africanos, após mais de quarenta dias de viagem, chegavam aqui em estado físico muito ruim. Para mascarar a debilidade dos escravos, no dia da venda passavam óleo de baleia na pele deles.
Os escravos também recebiam estimulantes, como tabaco, para esconder a sua tristeza.
No século XVIII, 70% dos escravos trazidos para o Brasil eram de Angola.
Existem relatos que apontam a violência com a qual os colonos tratavam os escravos e muitos falam de escravos queimados vivos por pequenas “faltas”.
Em 1584, cerca de 25% da população presente na colônia eram formados por escravos africanos.
O colono que comprava o escravo poderia devolvê-lo ao seu vendedor em até 15 dias, se ele manifestasse alguma doença séria.
|1| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 46.
|2| SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 32.
|3| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 81.
|4| Idem, p. 85.
|5| Idem, p. 84.
|6| SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 32.
|7| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 47.
|8| SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 33.
|9| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 82.
|10| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 46-47.