Guerrilha do Araguaia
Saiba o que foi a Guerrilha do Araguaia, em que contexto ela ocorreu e quais eram as suas bases estratégicas e ideológicas.
A Guerrilha do Araguaia foi a principal tentativa de revolução maoista (estratégia de revolução comunista inspirada no modelo chinês de Mao Tsé-Tung) ocorrida no Brasil. Isso aconteceu entre os anos de 1967 e 1974, na região fronteiriça do Bico do Papagaio – situada entre os estados do Pará, do Maranhão e de Tocantins (à época, Goiás). Pelo fato de ter se desenvolvido ao longo das margens do rio Araguaia, a guerrilha acabou por receber o epíteto com o nome do rio.
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Contexto
As tentativas de tomada do poder no Brasil pela via revolucionária de orientação comunista remontam ao fim dos anos 1920, quando oficiais do Exército Brasileiro, como Luís Carlos Prestes, aderiram à ideologia marxista-leninista e associaram-se a órgãos como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Em 1935, na dita “fase democrática” da Era Vargas, os militares ligados à ANL tentaram um golpe em ao menos três estados da federação, fato que ficou conhecido como Intentona Comunista. Todavia, a tentativa revolucionária foi logo debelada pelas forças do governo. No ano seguinte, Vargas inaugurou a fase abertamente ditatorial do “Estado Novo”, extinguindo toda forma de organização político-partidária.
Com o fim do Estado Novo em 1945, os partidos políticos foram postos novamente na legalidade, inclusive o PCB. Dada a conjuntura da Guerra Fria, que opôs o mundo em blocos hegemônicos antagônicos, o PCB voltou a ser, novamente, ilegal, em 1947, já que o governo de Eurico Gaspar Dutra rompera com a União Soviética no ano anterior. Durante os anos 1950, os dirigentes do PCB começaram a tentar uma incorporação às vias democráticas institucionais a fim de recuperar a legalidade. Nesse processo, os comunistas passaram a dar apoio a agendas populistas e trabalhistas, como a do governo Vargas (de 1950-1954).
Entretanto, na virada dos anos 1950 para os anos 1960, sobretudo com o advento da Revolução Cubana, muitas dissidências revolucionárias nasceram do seio do antigo PCB. Essas dissidências pleiteavam novas vias de tomada do poder. Uma delas era o PC do B (Partido Comunista do Brasil), que rompeu com o modelo marxista-leninista soviético e passou a adotar o modelo chinês desenvolvido por Mao Tsé-Tung.
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PC do B e a opção pela guerrilha maoista
A opção do PC do B pela guerrilha de tendência maoista pautava-se na crença de que a estratégia de formação de um centro guerrilheiro na zona rural, de mata fechada, poderia, com o tempo, ganhar duas coisas: a adesão popular e a capacidade de surpreender as forças armadas instituídas. Desse modo, o processo revolucionário tomaria de assalto o país, desde o campo até as zonas urbanas. Por essa razão, a região do “Bico do Papagaio”, na divisão dos estados do Maranhão, Pará e Tocantins, às margens do rio Araguaia, era estrategicamente importante. A guerra de guerrilha maoista apostava também no desgaste progressivo dos exércitos regulares, que, ao tentarem combater na mata fechada, perderiam batalha a batalha.
Isso fica mais claro quando estudamos o pensamento do próprio líder da Revolução Comunista Chinesa. De acordo com o militar e historiador Alessandro Visacro, para Mao Tsé-Tung:
[…] a guerra de guerrilhas por si só não era suficiente para infligir ao inimigo uma guerra decisiva e assegurar a tomada do poder. Na verdade, não competia à guerrilha vencer, apenas desgastar as forças oponentes, obrigando-as a lutar campanhas longas e inconclusivas – bastava não ser derrotada. Ao mesmo tempo em que desempenhavam um importante papel na conquista do apoio da população, os grupos guerrilheiros, acumulando pequenos sucessos, expandiam continuamente sua estrutura organizacional, até o último estágio, sem perder algumas das qualidades essenciais de manobras, iniciativa, liberdade de ação, apoio da população e conhecimento do terreno, as unidades irregulares transformavam-se em tropas convencionais capazes de lutar e vencer grandes batalhas. [1]
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Desenvolvimento da guerrilha
A afirmação da dissidência do PC do B e a opção pela estratégia maoista datam de 1962, portanto, dois anos antes da instalação do Regime Militar no Brasil. Ao longo da década de 1960, membros do PC do B procuraram instalar-se na região do Bico do Papagaio e estabelecer contato com comunidades locais, como a de Xambioá. Outras organizações, como a VAR-Palmares, procuraram fazer o mesmo na mesma região, mas foram desmanteladas pelos militares entre 1969 e 1970. A guerrilha do PC do B foi a única que passou despercebida de 1967 a 1972 (ano em que foi descoberta).
Quando o confronto começou, havia 71 guerrilheiros no Bico do Papagaio. Entre os principais instalados nessa região, estavam Micheas Gomes de Almeida (o “Zezinho do Araguaia”), João Amazonas, Ângelo Arroyo, Maurício Grabois (líder da guerrilha), Elza Monerat, Osvaldo Orlando da Costa (vulgo “Osvaldão”), Nélson Piauhy Dourado, os irmãos Petit (Maria Lúcia, Jaime e Lúcio), Regilena da Silva Carvalho (Lena), José Genoíno (codinome Geraldo), entre outros.
Em se tratando das informações sobre o poder de fogo dos guerrilheiros, de acordo com o jornalista Elio Gaspari, em 1972:
Cada guerrilheiro tinha um revólver com quarenta balas. O conjunto dispunha ainda de quatro submetralhadoras, duas de confecção doméstica, mais 25 fuzis e rifles. Essas eram suas armas de guerra (menos de uma para cada dois guerrilheiros). Somando-se a elas trinta espingardas e quatro carabinas, as armas longas eram 63. Faltavam oito para que cada combatente tivesse a sua. Armamento escasso, de má qualidade balística, bastava para pouco mais que a simples defesa pessoal. Seu poder de fogo era inferior ao de quatro grupos de combate do Exército. [2]
Os cercos que o Exército Brasileiro fez sobre o foco guerrilheiro seguiram-se ao longo de três anos (1972, 1973 e 1974). O oficial responsável pela logística das operações foi o coronel Sebastião Curió.
O coronel Curió tornou-se notório em virtude do seu conhecimento da logística operacional dos guerrilheiros, bem como pelo seu conhecimento topográfico da região onde a guerrilha instalara-se. Após a descoberta dos esconderijos e centros de comando, os militares passaram a caçar, um por um, os guerrilheiros do PC do B e os camponeses que os ajudavam. Ao menos 45 mortes foram confirmadas. Outros, como José Genoíno, foram presos logo na primeira expedição do Exército. Ao fim, os ataques sucessivos das tropas do Exército Brasileiro (maior em número e com armamento de maior qualidade) acabaram por desmantelar completamente a guerrilha.
NOTAS
[1] VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história. São Paulo: Contexto, 2009. p. 85.
[2] GASPARI, Elio. “A Ditadura Escancarada”. In: As Ilusões Armadas (vol. 2). Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 424-25.
Por Me. Cláudio Fernandes