Escravidão no Brasil
A escravidão no Brasil foi cruel e durante 300 anos motivou os africanos a organizarem diferentes formas de resistência, como organizando fugas e montando quilombos.
A escravidão esteve presente no Brasil durante mais de 300 anos e nosso país foi construído pela exploração desses trabalhadores, seja indígenas, seja africanos. A história da escravidão no Brasil é marcada pela crueldade e pela violência como os escravos foram tratados. A falta de liberdade em si, aliada com a violência, motivavam a resistência deles.
Os africanos foram retirados de sua terra nativa (muitas vezes emboscados por traficantes) e enviados para milhares de quilômetros de distância para uma terra desconhecida, com idioma, cultura e religião totalmente diferentes e foram forçados a abandonar a sua cultura e abraçar a de seus captores. Os africanos foram trazidos ao Brasil por meio do tráfico ultramarino, se quiser saber mais sobre esse assunto recomendamos o seguinte texto: Tráfico Negreiro.
Os escravos africanos (grupo em que se baseia este texto) foram utilizados em diferentes tipos de trabalho ao longo da história colonial e imperial do Brasil. Utilizou-se escravos em trabalhos domésticos, urbanos, mas, principalmente, na lavoura para o cultivo da cana-de-açúcar e nas minas nas regiões mineradoras.
A escravização dos africanos não aconteceu de maneira passiva, pois africanos e crioulos (nascidos no Brasil) resistiram, e muito, contra a escravidão. O objetivo deste texto é narrar algumas das histórias de resistência dos escravos africanos ao longo dos séculos XVI ao XIX.
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Resistência à escravidão
A face mais conhecida da resistência à escravidão foram as revoltas que visavam à conquista da liberdade, sobretudo no século XIX, quando essa luta foi fortalecida. A resistência à escravidão, porém, não acontecia somente visando à liberdade, mas foi frequentemente utilizada como forma de corrigir os excessos de tirania de senhores e feitores.
Os escravos organizaram-se de diferentes maneiras contra a escravidão, e existiram as revoltas violentas que resultavam no assassinato de senhores e feitores, nas fugas coletivas ou individuais, na recusa em realizar o trabalho, na criação de mocambos e quilombos etc. No século XIX, muitos escravos começaram a procurar autoridades – como a polícia – para denunciar abusos praticados por seus senhores.
A revolta de africanos nos navios negreiros era comum e, por isso, eles eram intensamente monitorados.
A primeira demonstração de resistência dos africanos já se manifestava no embarque deles nos navios negreiros. Os primeiros dias dos africanos aprisionados nos tumbeiros eram os mais perigosos para os traficantes. Por isso, a refeição nos primeiros dias era deliberadamente distribuída em porções menores. A fome era utilizada como arma para controlar os africanos.
Os traficantes também possuíam outros escravos em sua tripulação que eram utilizados como intérpretes. Esses escravos intérpretes falavam os idiomas nativos de muitos povos africanos e, assim, alertavam os traficantes caso ouvissem algum rumor de revolta. Quanto mais próximo da costa, maior a possibilidade de os escravos rebelarem-se.
Os estudos conduzidos pelos historiadores apontam que os africanos eram mais resistentes à escravidão do que os crioulos, porque muitos dos povos africanos escravizados possuíam um histórico recente de envolvimentos com a guerra, como foi o caso dos nagôs e haussás. Mas é importante dizer que os crioulos também se rebelavam contra a escravidão, apesar da menor incidência.
A seguir, nós veremos algumas práticas de resistência utilizadas pelos escravos no Brasil.
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Revoltas violentas
Muitas das revoltas violentas de escravos resultavam no assassinato de seus senhores e feitores.
Uma estratégia muito conhecida de resistência escrava foram as revoltas violentas contra senhores, feitores e autoridades em geral. A Bahia foi um dos locais em que essas revoltas mais aconteceram. O século XIX foi marcado por esse tipo de revolta e podem ser citados exemplos em 1807, 1814 e 1835.
Em maio de 1807, foi descoberto, pelas autoridades em Salvador, um plano realizado pelos escravos haussás. O plano dos escravos tinha como objetivo o ataque às igrejas católicas, destruição de imagens de santos católicos e dominação da cidade de Salvador. Em 1814, revoltosos reunidos em um quilombo juntaram-se aos escravos de uma região da Bahia e atacaram diversos locais, como a vila de Itapuã. Foram duramente reprimidos.
Mas essas revoltas não ocorreram somente na Bahia, pois outros locais do Brasil também tiveram acontecimentos do tipo. Em Campinas (SP), em 1832, foi descoberta uma grande revolta de escravos que estava organizada para acontecer em 15 propriedades da região. Os escravos planejavam, durante essa revolta, matar os seus senhores e conquistar a sua liberdade.
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Fugas
As fugas também eram uma forma de resistência muito comum e poderiam acontecer coletivamente, bem como poderiam ser individuais. As fugas individuais, porém, eram mais complicadas, porque sobreviver sozinho no mato era difícil e perigoso. O objetivo de muitos era chegar a quilombos que foram construídos em várias regiões do Brasil.
As fugas tornaram-se muito comuns no século XIX, quando os escravos, percebendo o fortalecimento do movimento abolicionista, realizaram fugas frequentes, fazendo com que o Estado imperial perdesse o controle sobre a situação. Nesse período, muitos dos escravos instalavam-se nas grandes cidades e misturavam-se em meio à grande população de negros livres, libertos e escravizados.
As fugas de escravos no final do século XIX também eram frequentemente incentivadas por membros de associações abolicionistas, que auxiliavam os escravos por rotas de fuga ou então os abrigavam nas grandes cidades do país. Muitos escravos também fugiam e, em seguida, entregavam-se para as autoridades e o objetivo disso era denunciar abusos e maus tratos.
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Quilombos
O grande símbolo da resistência dos escravos africanos no Brasil foram os quilombos. A palavra quilombo, no dialeto quimbundo (falado pelos povos bantos), era utilizada para se referir a um acampamento militarizado. Esse tipo de estrutura surgiu no Brasil em meados do século XVI e ficou conhecido depois do surgimento do Quilombo dos Palmares.
O historiador Flávio dos Santos Gomes afirma que o primeiro registro sobre quilombo no Brasil remonta a 1575, um quilombo surgido na Bahia|1|. Os quilombos, basicamente, eram locais que agrupavam os escravos fugidos de determinada região e um traço importante deles é que eles mantinham contatos comerciais com outros quilombos, com povos indígenas e mesmo com colonos portugueses.
Muitos quilombos sobreviviam do que cultivavam e do que retiravam das matas, mas existiam quilombos que organizavam assaltos em estrada e ataques contra engenhos, fazendas e vilas de colonos portugueses. Geralmente, eram construídos em locais de difícil acesso, mas existiam também quilombos construídos nas proximidades de grandes cidades, como o Quilombo do Buraco do Tatu, construído nos arredores de Salvador.
Alguns quilombos famosos foram Quilombo das Vassouras, Quilombo do Jabaquara, Quilombo do Leblon, Quilombo do Buraco do Tatu, mas o mais conhecido foi mesmo o Quilombo dos Palmares. Construído na região do atual estado de Alagoas, o Quilombo dos Palmares chegou a contar com 20 mil habitantes e teve em Zumbi o seu grande líder.
Foi atacado ao longo de todo o século XVII e resistiu até 1694, quando, finalmente, foi destruído pelos portugueses. Seu líder foi morto em uma armadilha, em 1695. Zumbi é considerado, atualmente, um grande nome da resistência dos escravos na história de nosso país.
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Outras formas de resistência
A resistência à escravidão não se resumia a essas formas mencionadas acima no texto e incluíam outras medidas mais extremas, como o suicídio e o aborto. A desobediência também era uma importante ferramenta utilizada pelos escravos e era frequentemente utilizada pelos escravos, quando eles estavam extremamente insatisfeitos com o tratamento que recebiam.
Revolta do Malês
A Revolta do Malês aconteceu em 1835, na cidade de Salvador, na Bahia, e ficou conhecida como uma das maiores revoltas de escravos africanos na história da escravidão do Brasil. Como mencionamos, a Bahia, nas primeiras décadas do século XIX, ficou marcada por revoltas violentas, como as de 1807 e a 1814.
A mobilização dos haussás e nagôs na luta contra a escravidão prosseguiu e tinha na religião uma ferramenta de resistência muito forte. O próprio nome da revolta tem essa relação, uma vez que a palavra malê é originária de imalê, palavra que no idioma iorubá significa “muçulmano”. Os escravos que se mobilizaram durante esse período na Bahia, incluindo na Revolta dos Malês, eram muçulmanos.
Essa revolta aconteceu no dia 25 de janeiro de 1835 e foi iniciada quando escravos haussás e nagôs, vestidos de túnicas brancas, saíram às ruas de Salvador armados com porretes e outras armas brancas para lutar contra as autoridades que defendiam a manutenção da escravidão. Os escravos rebelados lutaram apenas contra as forças mobilizadas para lutar contra eles.
A cidade de Salvador na época tinha cerca de 65 mil habitantes dos quais cerca de 40% era de escravos|2|. A Revolta dos Malês mobilizou cerca de 600 pessoas das quais cerca de 70 escravos morreram durante os combates travados nas ruas de Salvador. Os malês foram derrotados e a repressão contra sua revolta foi duríssima.
As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling afirmam que após a Revolta dos Malês, cerca de 500 escravos foram condenados à pena de morte, açoite e deportação|3|. A historiadora Luciana Brito, por sua vez, alegam que a revolta deu início a uma onda de deportações entre 1835 e 1836. Ela diz que escravos envolvidos com a revolta, escravos muçulmanos e até negros libertos, foram deportados em massa para o continente africano|4|.
|1| GOMES, Flávio dos Santos. Quilombos/Remanescentes de Quilombos. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 367.
|2| REIS, João José. A Revolta dos Malês. Para acessar, clique aqui.
|3| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 257.
|4| BRITO, Luciana. Retornados Africanos. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 386.
*Créditos da imagem: Everett Historical e Shutterstock