Saci-pererê é uma das lendas mais conhecidas do folclore brasileiro, e seu surgimento remonta ao final do século XVIII, tendo em Monteiro Lobato o responsável por sua fama.
Saci-pererê é uma das lendas mais conhecidas do folclore brasileiro e faz menção a um negrinho travesso que possui uma perna apenas, mora nas florestas e comete diversas travessuras contra viajantes e moradores das zonas rurais. Essa lenda mistura elementos das culturas indígena, africana e europeia, e ficou muito famosa no Brasil por meio de Monteiro Lobato.
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A lenda clássica e mais popular do saci fala que ele é um ser pequeno (com cerca de meio metro de altura). Além disso, é negro, possui apenas uma perna e locomove-se pulando pela selva, tem os olhos vermelhos ou não (de acordo com a versão), é careca e usa um gorro vermelho em sua cabeça. A representação clássica do saci frequentemente mostra-o fumando um cachimbo.
A imagem clássica de saci coloca-o como um menino travesso. É um ser agitado e, por isso, realiza brincadeiras pelos locais que passa. Algumas de suas travessuras mais comuns, conforme a lenda, são o ato de sugar o sangue dos cavalos e o de amedrontá-los e afugentá-los durante a noite. Uma sinal comum de que o saci havia atormentado os cavalos é o nó que deixa na crina deles.
Outra travessura muito comum cometida pelo saci é atormentar viajantes que atravessam a floresta durante a noite. Ele assovia um som estridente, e difícil de ser localizado, nos ouvidos desses. O objetivo do assovio é atormentá-los, e, além disso, comumente realiza outras travessuras, como estragar o freio das carroças, derrubar os chapéus dos viajantes ou desafivelar o loro que fazia parte do arreio do cavalo.
Saci é o responsável por desaparecer com pequenos objetos, estragar a comida, apagar lamparinas, abrir porteiras durante a noite, promover uma ventania que suja as casas, assustar crianças durante o sono etc. Por essas e outras travessuras é que esse personagem é entendido, por muitos do interior do Brasil, como um personagem maléfico.
As lendas também falam que, para capturá-lo, é necessário jogar uma peneira no meio de um redemoinho. Aquele que o captura deve retirar seu gorro, e, com isso, o saci perde seus poderes sobrenaturais. Em seguida, deve ser preso em uma garrafa, e então uma cruz deve ser desenhada nela para impedir que ele fuja.
Por fim, a lenda do saci fala que ele vive por 77 anos. Depois desse tempo, ele se transforma em um cogumelo venenoso ou em outro cogumelo conhecido como “orelha-de-pau”.
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A lenda do saci-pererê é provavelmente a mais conhecida do Brasil, e o historiador Luís da Câmara Cascudo aponta que ela surgiu no final do século XVIII, espalhando-se pelo país ao longo do século XIX. Ele também afirma que a história, provavelmente, surgiu na região Sul e espalhou-se por todas as regiões do país.|1|
A lenda do saci é resultado da mistura de elementos dos folclores europeu, indígena e africano. Essa história é conhecida em todo o país e também ganhou fama internacional. O fato ter surgido no Sul fez com que chegasse aos países vizinhos, com algumas variações.
Não existe nenhum relato a respeito dessa lenda nos primeiros séculos da colonização brasileira e, por isso, concluiu-se que seu surgimento foi tardio. A lenda, que já era bastante conhecida no interior do país, tornou-se mais ainda depois da divulgação que Monteiro Lobato fez dela no começo do século XX.
Por ter surgido na região Sul, acredita-se que a lenda do saci originou-se entre os índios guarani. Num primeiro momento, ele era uma espécie de protetor da floresta contra aqueles que iam destruí-la. Posteriormente, na medida em que a lenda foi espalhando-se pelo país, o saci tornou-se negro e passou-se a contar que ele havia perdido a perna em uma luta de capoeira — um claro sinal da influência da cultura africana.
O hábito de fumar também foi incluído como uma de suas características com o passar do tempo, sendo esse uma prática comum entre indígenas e também entre os africanos. Além disso, a dificuldade de encontrar o saci na floresta fez com que o personagem fosse associado com algumas aves presentes na fauna brasileira, como a Tapera naevia, ave conhecida como saci.
Outro elemento do saci transformado com o tempo foi o gorro. Muito provavelmente, quando a lenda surgiu, ele possuía os cabelos vermelhos, característica substituída pelo gorro vermelho, um traço em comum com uma lenda existente em Portugal sobre o trasgo, um ser de pequena estatura (assim como o saci) que faz pequenas maldades.
Luís da Câmara Cascudo ainda aponta que a lenda do saci, apesar de surgida no Sul do Brasil, espalhou-se de tal forma que se tornou parte do folclore até dos países vizinhos (Argentina, Uruguai e Paraguai), embora possuísse determinadas diferenças. Nesses países, o saci é conhecido como yacy-yateré.
Existem algumas diferenças entre a lenda existente nos países vizinhos e a versão que se popularizou no Brasil. Lá fora, o yacy não é negro e, diferentemente do saci brasileiro, que é careca, o yacy possui cabelos loiros e não usa gorro vermelho. Além disso, possuía uma varinha mágica de ouro e utilizava um chapéu de palha.
Na lenda paraguaia, o yacy atraía crianças, aos montes, por meio de seu assovio, a fim de brincar com elas para, em seguida, fazer-lhes uma maldade, deixando-as surdas, por exemplo. Na Argentina, yacy era conhecido por raptar moças solteiras e engravidá-las. As diferenças existentes entre a lenda brasileira e a estrangeira são as diferentes influências culturais sob a história.
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A história do saci ficou nacionalmente famosa por meio de Monteiro Lobato, um famoso escritor brasileiro do século XX e conhecido por ser o criador do Sítio do pica-pau-amarelo. Em 1917, Lobato fez um inquérito, no jornal O Estado de São Paulo, sobre o saci. A ideia era colher as respostas dos leitores acerca das versões da lenda.
Monteiro Lobato recebeu dezenas de respostas e utilizou-as para compilar um livro sobre esse personagem do folclore brasileiro — o primeiro na história do Brasil. Esse livro chamava-se Sacy-pererê: resultado de um inquérito e foi publicado em 1918, com dois mil exemplares. Anos depois, em 1921, Monteiro Lobato publicou O saci, voltado para o público infantil.
Crédito de imagem
[1] rook76 e Shutterstock
Notas
|1| CÂMARA CASCUDO, Luís da. Geografia dos mitos brasileiros. São Paulo: Global, 2012, p. 119.