A Sabinada foi uma das revoltas provinciais que aconteceram no Brasil durante o Período Regencial. Aconteceu entre 1837 e 1838 e foi resultado da insatisfação das classes médias de Salvador, principalmente. O movimento durou cinco meses, e a repressão do governo aos envolvidos foi grande.
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A Sabinada foi uma revolta provincial que aconteceu no Período Regencial, isto é, o período da transição do reinado de D. Pedro I para o reinado de D. Pedro II no Brasil. Essa fase das regências aconteceu porque, quando D. Pedro I renunciou ao trono, o seu filho ainda era menor de idade e não poderia ser coroado imperador.
Como previa a Constituição brasileira (de 1824), o país deveria ser governado por regentes até que o filho de D. Pedro I tivesse a idade mínima para assumir o trono. Uma das grandes marcas do Brasil durante o Período Regencial foi a disputa intensa entre conservadores e liberais na política brasileira.
O Período Regencial também trouxe uma novidade para o país: pela primeira vez o Brasil, enquanto país independente, garantiu certa autonomia política para as suas províncias. Entretanto, a falta de um imperador no trono brasileiro, somada aos problemas socioeconômicos do Brasil e às disputas políticas travadas nas províncias, criou uma situação explosiva.
Esse período foi a fase de uma experiência federalista (sistema que garantia a autonomia das províncias), mas também foi o período das revoltas provinciais. Como mencionado, essas revoltas foram uma soma de insatisfação popular e disputas políticas travadas entre as elites, mas também continha a defesa de ideais republicanos.
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A Bahia da década de 1830 era um local de grande agitação política. Essa província brasileira tinha passado por grandes acontecimentos, como a Conjuração Baiana e as Guerras de Independência. Na década de 1830, outros dois eventos importantes ainda aconteceram: o levante federalista em 1832 e a Revolta dos Malês em 1835.
O levante federalista aconteceu no Recôncavo Baiano e, nessa ocasião, federalistas insatisfeitos com a grande presença de portugueses na Bahia tentaram implantar um governo federalista na região. Já a Revolta dos Malês envolveu africanos escravizados que eram praticantes do islamismo e ficou marcada como a maior revolta de escravos da história brasileira.
Percebemos, portanto, que a Bahia tinha passado por muita agitação política e social, e o contexto do Período Regencial contribuía para que essa agitação permanecesse. A historiadora Keila Grinberg fala que, na década de 1830, o presidente da província já tinha conhecimento da existência de um “partido desorganizador”|1|.
A circulação de ideias em defesa do federalismo e da república acontecia nos grupos insatisfeitos. Além disso, em 1837, iniciava-se um fortalecimento dos conservadores na política brasileira, e a política de descentralização do poder praticada pelos liberais começou a perder força — a renúncia de Padre Feijó da regência do Brasil foi um sinal claro disso.
Além das questões políticas, havia também uma questão econômica relacionada com o enfraquecimento da economia local, principalmente por causa da crise da economia açucareira. Por fim, havia uma insatisfação pela grande presença de portugueses na Bahia, principalmente porque eles ocupavam cargos importantes na administração da província e no comércio.
Essa insatisfação na Bahia atingia, principalmente, as classes médias, e os grupos mais insatisfeitos eram “militares, médicos, advogados, jornalistas, funcionários públicos, artesãos e pequenos comerciantes”|2|.
Um dos grupos mais insatisfeitos nesse contexto eram os militares, principalmente os militares negros, que estavam irritados com as injustiças na corporação e a dificuldade de promoção. Os militares, em geral, também exigiam aumento salarial e eram contra as convocações para que eles fossem lutar no sul do Brasil contra os farrapos.
Todas essas questões levaram a classe média soteropolitana a se rebelar no ano de 1837. O primeiro passo foi dado pelos militares.
A Sabinada teve início com um levante militar que aconteceu em 6 de novembro de 1837. Nesse dia, o Corpo de Artilharia que ficava no Forte de São Pedro se rebelou e tomou conta dessa instalação militar. No dia seguinte, civis se juntaram com os militares rebelados e juntos foram para o centro de Salvador.
Lá os sabinos (como ficaram conhecidos os rebeldes dessa revolta) mobilizaram os policiais e, juntos, tomaram o controle da Praça do Palácio. As autoridades da Bahia fugiram da capital e se estabeleceram na região do Recôncavo Baiano.
Os sabinos então foram à Câmara Municipal de Salvador e iniciaram atividades parlamentares, elaborando um manifesto, que foi assinado por 105 homens|3|. Nesse manifesto foi declarada a separação oficial da Bahia em relação ao governo do Rio de Janeiro e anunciada que a Bahia tornava-se um Estado independente, que teria eleições o mais breve possível.
O novo governo teve como presidente Inocêncio da Rocha Galvão, um advogado que estava exilado nos Estados Unidos e que nunca tomou posse desse cargo efetivamente. O médico e jornalista Francisco Sabino, o grande líder da Sabinada (do sobrenome dele veio o nome da revolta), foi escolhido como secretário da Bahia.
Por fim, João Carneiro da Silva Rego, advogado e dono de terras e escravos, foi nomeado como vice-presidente para suprir a ausência de Rocha Galvão. Percebemos, portanto, que os nomes indicados na liderança da revolta eram de pessoas vinculadas a essa classe média insatisfeita, e a revolta, a princípio, teve um caráter separatista.
Entretanto, esse separatismo da Sabinada foi colocado em xeque apenas quatro dias depois do manifesto ter sido elaborado. Alguns dos membros da revolta temiam que o movimento se enfraquecesse e, então, o vice-presidente recebeu um pedido de 30 cidadãos para que o manifesto original fosse modificado.
Isso fez com que o separatismo da Sabinada ficasse sob um caráter transitório, porque um novo documento anunciou que a Bahia declarava a sua separação até que Pedro de Alcântara alcançasse sua maioridade e fosse coroado imperador do Brasil. Esse novo manifesto foi aprovado em 11 de novembro de 1837.
As elites da Bahia não aderiram à revolta iniciada em Salvador e deram seu apoio para as autoridades que tinham fugido da cidade e se instalado no Recôncavo Baiano. Os donos de engenho juntaram seus esforços com o governo provincial para derrubar os sabinos. Não houve também adesão popular, e parte da população soteropolitana abandonou a cidade, temendo que a revolta trouxesse violência e fome para a capital baiana.
As forças de resistência que se formavam nos arredores de Salvador decidiram não invadir a cidade. Keila Grinberg fala que isso aconteceu porque eles não tinham armas suficientes para invadi-la, então decidiram cercá-la para impedir que comida chegasse. Salvador também foi cercada pelo mar. Esse cerco durou cinco meses.
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Em 14 de março de 1838, a cidade de Salvador estava em uma situação muito complicada pela falta de alimentos, e a revolta dos sabinos estava enfraquecida. Um ataque das forças do governo provincial aconteceu nesse dia, deixando cerca de 1800 mortos pela capital baiana|4|. Houve destruição, e incêndios se espalharam por Salvador como consequência das batalhas.
A rendição aconteceu no dia 15 de março, e os sabinos pediram clemência, mas não tiveram sua exigência atendida. Dos cerca de 1800 mortos, 1258 deles eram rebeldes, quase três mil pessoas foram presas e houve aqueles que foram enviados para o Rio Grande do Sul para lutar no Exército, enquanto outros foram enviados para o Rio de Janeiro.
Os negros libertos que participaram da Sabinada foram degredados para a África; outros foram enviados para Fernando de Noronha. Francisco Sabino, por sua vez, foi condenado à morte por enforcamento junto de outras seis pessoas. Entretanto, Sabino foi perdoado, e sua pena foi modificada para degredo para a região de Rondônia, mas ele foi enviado para Cuiabá.
Notas
|1| GRINBERG, Keila. Sabinada (1837). In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Dicionário da república: 51 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 369.
|2| Idem, p. 371.
|3| Idem, p. 370.
|4| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 259.
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