A crise do século XIV é como os historiadores resolveram chamar a sucessão de acontecimentos catastróficos que afetaram a Europa medieval. Entre as tragédias, constam os grandes ciclos de fome — causados por mudanças climáticas —, as guerras, a ocorrência de revoltas populares e a peste negra. Acredita-se que esse ciclo tenha acelerado o fim do feudalismo.
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Na Baixa Idade Média (a partir do século XI), a Europa passou por uma série de transformações que elevou até certo ponto o modo de vida do homem. O primeiro aspecto significativo foi um pequeno avanço no cultivo agrícola por meio de novas técnicas de arado do solo e pelo uso da rotatividade trienal do solo, por exemplo.
Houve também um aumento das terras que eram cultivadas por meio da drenagem de pântanos e da derrubada de florestas. Isso permitiu um pequeno aumento na produção agrícola, o que fez recuar, sobretudo no século XIII, a fome. Um dos principais efeitos disso foi o crescimento demográfico na Europa Ocidental, isto é, o aumento da população.
Além disso, a Europa presenciou um certo renascimento comercial e urbano, isto é, o comércio ganhou força e as cidades começaram a crescer e ganhar mais expressão. O renascimento comercial permitiu o desenvolvimento de rotas e pontos de comércio na Europa e garantiu um crescimento econômico entre os anos de 1200 e 1316.
No caso do crescimento urbano, registrou-se o surgimento de novos ofícios, uma vez que aqueles que chegavam às cidades precisavam de meios para sobreviver. Por fim, sobretudo no caso francês, houve relativa paz, isto é, a guerra, uma realidade tão comum durante a Alta Idade Média (séculos V ao X), tornou-se menos frequente.
Tudo isso começou a mudar a partir do século XIV, quando um cenário de crise se instalou na Europa Ocidental e acelerou transformações em curso na Europa. Basicamente, a crise do século XIV apressou a decadência do feudalismo na Europa. A junção dessas crises ao longo desse século foi chamada pelos historiadores de crise do século XIV.
Uma das primeiras tragédias que aconteceram na Europa durante esse século foi o retorno da fome. Isso aconteceu por uma série de fatores, mas tiveram destaque as mudanças climáticas. Os historiadores apontam que, no começo do século XIV, houve um resfriamento do clima, e o período de 1315 a 1322 foi marcado por chuvas além do normal.
Além disso, a Europa vivia um momento em que não havia mais expansão das terras cultivadas e a produtividade do solo era a mesma de séculos atrás. Esse fator, somado às questões climáticas, fez com que as colheitas, principalmente no ciclo 1315-1317, fossem muito ruins. A diminuição na quantidade de alimentos aumentou o preço da comida e fez com que muitos passassem fome.
Entre os séculos XIV e XV, registraram-se na Europa Ocidental cinco grandes ciclos de fome. Somente em Portugal, registraram-se 21 crises de falta de alimento|1|. Já na França, um relato de 1316 fala que as chuvas fortes e a fome que se espalhou contribuíram para debilitar as pessoas e espalhar doenças, causando milhares de mortes.
As dificuldades na produção de comida atingiram a economia, fazendo com que muitos camponeses se mudassem para as cidades. Por sua vez, os trabalhadores urbanos passaram a enfrentar uma redução salarial e aumento no desemprego. O resultado desse contexto foi o aumento da miséria e, consequentemente, o crescimento das tensões sociais.
Esse quadro permitiu que uma série de revoltas acontecesse, tanto no campo quanto nas cidades. Nas cidades, o aumento do desemprego, a grande quantidade de pessoas miseráveis, a falta de alimentos, os baixos salários e a intensa exploração dos artesãos motivaram revoltas populares em diversas cidades europeias.
No caso do campo, a miséria do campesinato e a intensificação da exploração nos laços servis (como aumento nos impostos) serviram de motivação para que camponeses realizassem revoltas contra os senhores feudais. No contexto francês, as revoltas de camponeses foram muito frequentes e receberam o nome de jacquerie.
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O século XIV ficou marcado também pelo aumento da violência por meio de guerras. O caso mais notável é o da Guerra dos Cem Anos, conflito entre ingleses e franceses que se arrastou de 1337 a 1453, totalizando 116 anos de guerra. Um fator importante é que as guerras desse período incorporaram avanços tecnológicos e novas armas, como os canhões.
O aumento da pobreza fez com que muitos miseráveis se dedicassem à guerra como forma de sobrevivência, passando a oferecer os seus serviços como mercenários. Segundo o historiador Jacques Le Goff, muitos homens formavam grupos militarizados, oferecendo seus serviços para cidades e reinos locais, enriquecendo e ganhando prestígio|2|.
Houve também locais que optaram por profissionalizar seus soldados, criando exércitos regulares que ficavam à disposição do reino, como no caso francês. Esses soldados ficavam disponíveis integralmente ao rei e recebiam um soldo pelos seus serviços.
Outro fator que ampliou a situação caótica que a Europa experimentou nesse século foi a peste negra, uma pandemia de peste bubônica que levou caos e morte para quase todo o continente. Essa doença é transmitida para os seres humanos por meio de ratos contaminados com uma bactéria.
A doença foi trazida para a Europa por embarcações genovesas que fugiam de Caffa, por conta de um cerco realizado por tropas tártaras contra essa cidade. A doença se espalhou pela cidade quando as tropas tártaras decidiram jogar cadáveres contaminados para dentro de Caffa. Acredita-se que esse surto de peste bubônica tenha se iniciado em algum local da Ásia Central.
A doença chegou à Europa em 1347 e, no ano seguinte, já tinha se espalhado para todo o continente. A difusão dessa doença foi intensificada pelo fato de que, quando ela afeta humanos, pode ser transmitida pela via respiratória, tornando-se altamente contagiosa. Assim, milhões de pessoas contraíram a doença e, em questão de dias, faleciam.
A peste negra intensificou a desordem na Europa, pois destruiu governos, ampliou a fome, intensificou a violência e matou milhões. A medicina da época não tinha respostas sobre como combater a doença, mas logo se percebeu que o isolamento dos doentes era uma forma eficaz de evitar que a enfermidade se espalhasse.
Novos estudos apontam que a peste negra pode ter sido responsável pela morte de até 50 milhões de pessoas e que a Europa antes da doença possuía cerca de 80 milhões de habitantes. Os estudos antigos apontavam que 1/3 da população havia morrido, mas os novos estudos apontam estimativas que falam que de ½ a 2/3 da população europeia tenha morrido.
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Todos esses acontecimentos tornaram o século XIV um período de intensas transformações na Europa. Os laços feudais se enfraqueceram e, consequentemente, as relações sociais se transformaram. A economia ganhou novas dinâmicas, enquanto na política o poder real começou a se fortalecer e a se centralizar.
A crise do século XIV marcou o fim do feudalismo, permitindo que o mercantilismo e o absolutismo começassem a se estabelecer. Por fim, novas classes começaram a surgir, com destaque para a burguesia.
Notas
|1| FRANCO JÚNIOS, Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 47.
|2| LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 222.