Encilhamento
Fique sabendo o que foi o Encilhamento, no contexto dos primeiros anos da República, e o porquê de essa política econômica não ter dado certo.
“Encilhamento” foi um fenômeno político-econômico ocorrido logo no início da República Velha, no governo de Deodoro da Fonseca (1889-1891). Caracterizou-se por medidas de expansão de crédito e de estimulo à criação de bancos, empresas e ao processo de industrialização. As medidas tiveram resultado negativo, como veremos em seguida.
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Governo Provisório de Deodoro da Fonseca
Com a Abolição da Escravatura, em 1888, e com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tivemos uma reviravolta no sistema político-econômico brasileiro. A República foi inaugurada no Brasil por meio de um golpe civil-militar, que tinha à frente a figura do marechal Deodoro da Fonseca, que, apesar da trajetória como oficial monarquista, acabou sendo persuadido por homens como Benjamin Constant a deflagrar o golpe.
O fato é que, na transição de um regime para o outro, coube também a Deodoro fazer as vezes de chefe político. Tornou-se, então, presidente de um Governo Provisório, que durou até 1891, com a promulgação da primeira Constituição republicana. Essa fase de transição necessitava de um plano condizente com a nova realidade do país, marcada pela presença dos imigrantes europeus na condição de colonos, no meio agrário, e de trabalhadores assalariados, no meio urbano, e pela necessidade de industrialização. O encarregado do planejamento da política econômica de então foi Rui Barbosa.
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Medidas de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda
Barbosa assumiu o Ministério da Fazenda no governo provisório de Deodoro da Fonseca logo em novembro de 1889 e teve de lidar com uma situação que já vinha se apresentando desde os meses finais do Império. Em 24 de novembro de 1888, D. Pedro II, por meio do decreto n. 3.403, procurou executar uma reforma no sistema bancário brasileiro: os bancos recebiam dinheiro do Estado, sem juros, e passavam a emprestar para o setor agrário com juros de 6% ao ano. Esses bancos começaram a ter lucratividade cada vez maior, de modo que passaram a ser modelos para a criação de bancos novos, que buscaram operar do mesmo modo também em outros setores da economia.
Essa euforia financeira provocou uma onda de empreendimentos no Brasil que a República procurou aproveitar de algum modo. Rui Barbosa acreditava que o regime republicano deveria dar condições para que essa onda prosperasse. Para tanto, era necessária a expansão do “meio circulante”, isto é, da quantidade de dinheiro impresso circulando no mercado. O objetivo era não apenas o estímulo a novos negócios, mas também a industrialização. Segundo Rui Barbosa, a República seria estável e atingiria o progresso econômico se conseguisse uma aceleração do quadro industrial e o consequente abandono do agrarismo exclusivo do Império.
Sendo assim, o principal banco encarregado da emissão de papeis foi o Banco dos Estados Unidos do Brasil, dirigido por Francisco de Paula Mayrink. Todavia, isso não bastava. Era necessário também controlar a especulação financeira. Como diz o historiador Raymundo Faoro, no segundo volume de sua obra Os Donos do Poder:
Daí que, em 17 de janeiro de 1890, [Rui Barbosa] pusesse em prática seu plano de governo, com a emissão autorizada preferencialmente sobre apólices de dívida pública. O mecanismo se completaria com medidas contra a especulação, sobretudo na obrigatoriedade imposta às sociedades anônimas de, ao organizarem-se, depositar 30% do capital em dinheiro, bem como, para compensar os inconvenientes do papel inconversível, a cobrança dos impostos de alfândega em ouro, medida empregada sem continuidade, que será um dos fundamentos da política de Campos-Sales-Murtinho. [1]
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Fenômeno do encilhamento
O problema é que essa inundação do mercado com dinheiro impresso provocou uma “febre de negócios” e acabou por estimular a criação de um grande número de empresas, muitas delas “fantasmas”, que buscavam formar sociedades por ações e vender tais ações na Bolsa de Valores, sem nenhum lastro real, isto é, sem compatibilidade exata com o que estavam produzindo. As apostas nas compras e vendas de ações eram feitas um tanto às cegas e, por isso, esse fenômeno ficou conhecido como “encilhamento”, como alusão ao ato de encilhar, por arreios, um cavalo para corrida. O clima financeiro do país à época comparava-se ao clima composto pelos apostadores de corridas de cavalos nos hipódromos.
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Consequência do encilhamento
Logo a ebulição financeira começou a declinar, percebida a falta de correlação entre os investimentos e a produção real. Muitos investidores, sobretudo internacionais, retiraram seu investimento da Bolsa, provocando a queda do preço das ações e a consequente desvalorização da moeda brasileira, ante a libra esterlina (padrão da época, avalizado em ouro). A desvalorização cambial foi acompanhada de inflação. Isso contribuiu para provocar a crise política do governo Deodoro. Rui Barbosa acabou sendo substituído no Ministério da Fazenda pelo Barão de Lucena.
NOTAS
[1] FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: a formação do patronato político brasileiro.(vol. 2). São Paulo: Globo: Publifolha, 2000. p. 125.
Por Me. Cláudio Fernandes